terça-feira, 25 de maio de 2010

Extraindo um vilão

Amábile abriu os olhos, no seu horário habitual de se levantar todas as manhãs para ir trabalhar. Era uma segunda-feira de inverno. Ao se mexer, para se levantar da cama, uma dor aguda percorreu-lhe a espinha. Antes fosse um punhal que lhe tivessem golpeado o corpo ou qualquer outra forma trágica de Hoffmann ou Poe de se matar alguém. Antes fosse, eu dizia. Pelo menos assim morreria logo e não ficaria tanto tempo sob tortura. Mas o que mais lhe irritava era que toda essa dor incômoda e longe de passar vinha de um dente miserável e tardio. Vinte e três anos na cara, achando que já tinha passado a época de sofrer por perdas de dentes de leite. Mas não, o miserável tinha que chegar mais tarde, com toda a pompa de alguém que chega atrasado e quer pipoca e o melhor lugar no cinema.
Já havia ligado para os cirurgiões dentistas mais consagrados da sua região. Não haverá vagas tão cedo para quem tem plano de saúde. Que maravilha depender de dinheiristas quando tanto se precisa de cuidados especiais de saúde.
Mas não desanimou. Devia haver um mísero que tivesse horário essa semana. E, de fato, achou, mas só para examinar sua boca, na quarta-feira. No estado lastimável em que se sentia, estava disposta a qualquer coisa.
Terça-feira. A dor só parecia piorar. Por mais que sentisse fome, qualquer sombra de movimento dos maxilares já a fazia gemer. E mesmo gemer doía. Melhor ficar quieta, estática e faminta. O coquetel de analgésicos que a farmacêutica lhe indicara até que fazia efeito. Mas sabia que seu estômago não ia agüentar por muito tempo. Por isso, após sair da farmácia, foi ao mercado e comprou flãs, iogurtes, gelatinas e tudo que não precisasse mastigar e enganasse a barriga.
Quarta-feira. O bendito dia! O horário marcado era seis horas e meia. Só tinha que se levantar, enganar outra vez o estômago com coisas pastosas e irritantemente geladas, dopar-se com ene analgésicos e trabalhar até as seis. Como pensar nisso parecia fácil.
Todo o processo de se levantar da cama, sentir a pontada de dor, vestir-se, sofrer amargamente para abrir a boca e fazer o esforço mínimo para engolir a comida, sair naquele vento cortante da rua para o trabalho e ainda passar o dia sofrendo ainda mais por falar, porque seu trabalho exigia que se comunicasse com os clientes. Eram oito horas da manhã e o dia parecia não ter fim.
Mas um dia esse fim tão esperado chega. As dez horas de espera passam e chega a hora de visitar o salvador de seu terrível tormento. Do trabalho, vai direto ao consultório, sem pensar em outra coisa a se fazer. Chega com quinze minutos de antecedência. Seu algoz ainda lhe torturava, mas parecia que todos os seus males se amenizavam dentro daquela sala de espera.
_Você trouxe o raio X que havia feito? – perguntou a secretária, com quem já tinha acertado a consulta, por telefone.
_Sim. Aqui esta – Disse Amábile, controlando sua impaciência ao entregar o envelope branco de radiografia odontológica.
_Um minuto. Vou levar ao doutor e já, já ele a atende. – Disse a secretária, antes de entrar pela porta branca que dava acesso ao cirurgião.
Cinco minutos depois, o doutor aparece. A secretária já havia voltado. Ele solicita que Amábile entre, para examinar sua boa.
_É. Vamos ter que tirar os dois de baixo. Pela radiografia, um está praticamente nascendo deitado. Seu caso é mais delicado. Teremos que abrir um pouco a gengiva.
_Doutor, não agüento mais a dor. Mal consigo comer. Quando podemos marcá-la.
_O mais breve possível. Vou pedir à secretária que ache um horário para você com urgência.
É impressionante como tudo se torna urgente para os médicos quando se trata de uma consulta sem planos de saúde no meio. O único problema é que nossa protagonista, além de já sofrer com seu dente, sofrerá também amargamente no bolso. Mas voltemos à história.
A extração do ciso “deitado” foi marcada para sábado, às duas horas da tarde, a fim de que Amábile não precisasse faltar ao trabalho e pudesse repousar sem mais transtornos. Indagando o médico sobre o que tomar e comer para tentar manter a rotina o mais natural possível, esse recomendou a ela que continuasse tomando o que estava, se estava fazendo efeito, mas reduziu os medicamentos à apenas um analgésico (Amábile estava tomando três qualidades diferentes).
Os dias se arrastavam tão lentamente quanto a demora do analgésico recém receitado para fazer efeito. Havia dias que a dor percorria-lhe a cabeça e mal conseguia movimentar qualquer músculo da face. Dormia com dor, acordava com dor. Só nos sonhos, ainda que interrompidos às vezes pelas pontadas, causadas pelo mal jeito de se deitar, é que ela podia ser livre de tais sofrimentos.
Enfim, chegou o sábado sagrado. Outra vez, só tinha que acordar, conseguir comer, vestir-se, medicar-se, mas com duas vantagens: a de ter aberto um lindo sol na rua e a de ter que trabalhar somente até o meio-dia.
Dessa vez, a manhã não demorou a passar. Outra vez foi penoso comer. Prometeu a si mesma que, depois que tudo aquilo acabasse, tão cedo não colocaria aquelas guloseimas geladas e irritantemente doces na boca. Não podia mais nem sentir o cheiro de flãs, iogurtes e gelatinas. Sentia saudade de um bom prato comida salgada.
Na saleta de cirurgia, o doutor, vendo a agitação e ansiedade de Amábile, resolveu dar uma anestesia geral, visto que a localizada estava penosa de funcionar.
Uma hora depois, acordou-a, com um sorriso frio por trás da máscara e o malquisto dente ao seu lado, já limpo e pronto para ser levado para casa. Apesar de mal sentir qualquer parte da boca e as pernas dormentes ainda, já sentia a sensação de faltar algo no canto da boca. Sabia que a recuperação iria ser tão incômoda quanto à espera pela extração. Mas agora já conseguia sonhar com um prato de massa bem temperado.

domingo, 16 de maio de 2010

Domingo agitado

Não tenho mais postado nada nos dois blogs por falta de tempo para sair e para sentar e organizar o que escrever. Tenho ficado em casa nos últimos três fins de semanas por ene motivos. Estou trabalhando num novo conto, mas como o período de provas na faculdade já começou e passei as últimas semanas estudando para o concurso público que fiz hoje, acho que ele vai o projeto vai ter que entrar para a fila de espera.
Levantar cedo, pegar BR e fazer prova num domingo de manhã não foi tão ruim. O índice de faltosos deve ter ficado na faixa de 20%, seja por ser num domingo de manhã, seja por ser no mesmo dia da prova da CAIXA nacional.
Tinha outras coisas para contar, mas três livros me esperam pra terminar de ler e esqueci boa parte do que tinha para escrever.
Até outra hora!

sábado, 8 de maio de 2010

Primeiro recital

Madrugada de Sexta para Sábado. Eu já devia ter ido dormir, mas ainda estou no pique. O resultado da noite de sexta-feira veio de um ano e quatro meses de trabalho. Valeu a pena, enfim.
O recital foi preparado para homenagear as mães, numa data escolhida cuidadosamente. Procurei chegar mais cedo, porque queria homenagear também à minha mãe de coração, minha professora de piano. Pela alegria sincera nos olhos dela, acho que alcancei meu objetivo.
Era para eu tocar três músicas, as quais eu já conhecia bem, como música de fundo. Ficaram um desastre, porque mal consegui tirar tempo para ensaiar a música principal, quem dirá as acessórias.
As duas músicas a quatro mãos ficaram perfeitas. Eu e a Sara nos saímos bem, com o Paulo no cajón. Nenhum errinho. É uma pena que minha máquina digital não tivesse memória suficiente. Mas deu para bater foto e lembrar o quanto foi divertido.
Fiquei sentada num cantinho, ao lado do palco, para ajudar minha professora a chamar os alunos, enquanto ela preparava os teclados. A disputa entre minha voz o e o microfone (que vivia falhando) foi acirrada. Mas meus dois meses de aula de canto (há 6 anos atrás) não foram em vão, felizmente.
Fui uma das últimas a me apresentar, com um pot-pourri de Sururu na Cidade e Pintinhos no Terreiro, ambas de Zequinha de Abreu. Tinha ficado perfeita no último ensaio, quando o Paulo trouxe o cajón aqui em casa e ensaiamos no piano. Mas o que pesou foi eu ter ficado dois anos sem me apresentar em público. Por mais que fossem apenas pais, avós e garçons, o coração sempre dispara na hora. E se concentrar a ponto de só pensar na música nem sempre é fácil. Mas me esforcei e consegui um resultado razoável para meu primeiro recital de piano.
Aí vai o vídeo. Espero que gostem.