Estava lá a
bailarina, eu a via todos os dias, naquela caixa de brinquedos. Ela viu tudo
acontecer. Desde a vigília do único soldadinho, enamorado por ela, até o
feiticeiro tramar para derrubá-lo da janela.
Muito
ela esperou seu amado, até que um dia soube que ele voltou, saído da barriga de
um peixe comprado pela dona da casa. Que alegria ficou! Seu amor voltou!
E então ele contou o que acontecera, os meninos que o encontraram no pasto úmido, o colocaram em um barquinho para velejar no esgoto sujo, até o rio, encontrando seu infortúnio. Pobre soldadinho! Ela dizia. Engolido por um peixe, pescado e trazido de volta a seu lar.
E então ele contou o que acontecera, os meninos que o encontraram no pasto úmido, o colocaram em um barquinho para velejar no esgoto sujo, até o rio, encontrando seu infortúnio. Pobre soldadinho! Ela dizia. Engolido por um peixe, pescado e trazido de volta a seu lar.
Amores
sempre regressam, dizia ela. Mas o feiticeiro invejoso novamente tramou
E numa noite
um incêndio tomou o pobre soldadinho de supetão. Mas a bailarina não o
abandonou. Pulou para onde ele queimava e com ele ficou. Até se fundirem numa
forma estranha de amor, num amor doído, num coração queimado, mas unido até o
fim.
E
a tudo assisti, silente, esperando o tempo passar e alguém disposto a ouvir
essa triste história que nada pude fazer. Coisas da vida, que afetam até mesmo
os inocentes amantes, sempre digo. Cada um tem seu destino. O deles foi morrer
juntos, mesmo diante da insistência do ambiente em querer separá-los.
Sabe-se
lá se o feiticeiro amava a bailarina, se invejava o soldadinho por tanta
atenção de todos. Ou talvez até amasse o soldado, mas não correspondido. Vai
saber? O amor não escolhe cor, sexo, raça ou razão. Ele simplesmente acontece.
Mas nem sempre acontece para todos. E aí que nasce a mágoa, a angústia, a ira e
o pior combustível de todos: a mágoa.
A
mágoa faz coisas. Tortura a mente de
muitos. Tira o sono, rouba a atenção ao peito apertado. A cabeça dá voltas e
chega a lugar algum. E a aí surge a vingança. O ímpeto incessante de algo mais,
o desejo incontrolável de tirar tudo de quem causou a aflição. E disso a gente
já viu nesta história o que dá.