terça-feira, 14 de abril de 2015

O soldadinho de chumbo (atividade de mestrado sobre escrita livre)



Estava lá a bailarina, eu a via todos os dias, naquela caixa de brinquedos. Ela viu tudo acontecer. Desde a vigília do único soldadinho, enamorado por ela, até o feiticeiro tramar para derrubá-lo da janela.
                Muito ela esperou seu amado, até que um dia soube que ele voltou, saído da barriga de um peixe comprado pela dona da casa. Que alegria ficou! Seu amor voltou!
                E então ele contou o que acontecera, os meninos que o encontraram no pasto úmido, o colocaram em um barquinho para velejar no esgoto sujo, até o rio, encontrando seu infortúnio. Pobre soldadinho! Ela dizia. Engolido por um peixe, pescado e trazido de volta a seu lar.
                Amores sempre regressam, dizia ela. Mas o feiticeiro invejoso novamente tramou
E numa noite um incêndio tomou o pobre soldadinho de supetão. Mas a bailarina não o abandonou. Pulou para onde ele queimava e com ele ficou. Até se fundirem numa forma estranha de amor, num amor doído, num coração queimado, mas unido até o fim.
                E a tudo assisti, silente, esperando o tempo passar e alguém disposto a ouvir essa triste história que nada pude fazer. Coisas da vida, que afetam até mesmo os inocentes amantes, sempre digo. Cada um tem seu destino. O deles foi morrer juntos, mesmo diante da insistência do ambiente em querer separá-los.
                Sabe-se lá se o feiticeiro amava a bailarina, se invejava o soldadinho por tanta atenção de todos. Ou talvez até amasse o soldado, mas não correspondido. Vai saber? O amor não escolhe cor, sexo, raça ou razão. Ele simplesmente acontece. Mas nem sempre acontece para todos. E aí que nasce a mágoa, a angústia, a ira e o pior combustível de todos: a mágoa.
                A mágoa faz coisas.  Tortura a mente de muitos. Tira o sono, rouba a atenção ao peito apertado. A cabeça dá voltas e chega a lugar algum. E a aí surge a vingança. O ímpeto incessante de algo mais, o desejo incontrolável de tirar tudo de quem causou a aflição. E disso a gente já viu nesta história o que dá.