segunda-feira, 6 de março de 2023

Oi, sumido

 Faz um tempo que não escrevo, mais um tempo ainda que não apareço por aqui.

Minha psicóloga deu a entender que eu não tinha problemas para discutir e talvez fosse só falta de vitaminas e de achar um hobby.

Mas falta alguma coisa. Uma pitada de alguma coisa.

Eu costumava ser foda. Hoje eu não sei quem sobrou das versões de mim.

Alguém advogada, com mestrado, três pós-graduações, que já realizou o sonho de tocar piano em restaurantes durante a faculdade, que já viajou para fora, que já se tornou fluente em três idiomas.

Alguém com o dom da escrita (segundo o pai dela e algumas professoras de portugues). Grande coisa!?

Alguém cansada.

Mãe de um cara introvertido e hiperativo. Aliás, se você quer saber o que é pressão social, tenha filho(s)!

Precisei de terapia, porque esgotei. Pandemia, home office durante a gravidez de risco, cuidando do bebê e trabalhando em casa até os 2 anos, quando coloquei ele na escolinha. Advogado em videoconferência, cuidando da casa, trocando fralda e todos os dias jogando um joguinho em blockchain chamado Axie Infinity.

Destrinchei alguns nós desse novelo com a psicóloga. Mas o David Letterman já dizia sobre isso. A gente constrói todo um storytelling sobre como a sua vida é diferente e as suas múltiplas facetas são legais e descoladas para aquele estranho que você paga consulta semanalmente para te ouvir falar sobre suas ansiedades narcisistas cotidianas.

O profissional te conhece e a medida que ele vai agradando o seu ego nos comentários, validando sobre como é cansativa a sua vida e ninguém reconhece isso, você se acomoda. Como melhorar como pessoa? Ninguém sabe te dizer. 

Mas adoçar o ego não é suficiente para melhorar.

Você consegue até tirar uma ou outra tarefa estafante, como o joguinho em blockchain que deu uma caída no rendimento por um tempo, mas o vazio continua.

Acorda cedo, amamenta até o pequeno dormecer, mesmo que isso signifique 4 horas amamentando, com 14kg em cima de você. Não há jeito de levar ao berço. Você já desistiu e até desmontou aquele pedaço de madeira inútil.

Corre para organizar a roupa, para chegar na academia antes das 7h10min. Precisa ajudar o marido com o doutorado, que ele já se esgotou mental e emocionalmente, mas você é boa nisso., sempre te dizem. E a sua proatividade faz você juntar os cacos de escrita e transformar num trabalho apresentável para a qualificação. Vocë não se aguenta, organiza o lattes, entra em contato com todos da banca, agenda no programa e até monta a apresentação, antes mesmo de o marido pedir.

Abre o escritório. Ninguém aparece. O escritório tem que ficar aberto, seu sócio chega 10 horas, te chama para uma reunião para dizer que você está fedendo a suor. É o sutiã que o leite vazou e nenhum absorvente de seios dá conta. Você engole a invasão de espaço e reunião desnecessária e volta ao trabalho.

Você precisa mostrar a produtividade dos outros. Afinal, estou te pagando para isso.. Quando você vai sentar comigo para ver os meus prazos? Quando você fazer a sua parte, retruco,

Não há jeito, vou chamar a outra sócia, que a coisa funcionava quando ela era minha assistente, para "me dar uma mão", querendo dizer que ela vai listar os prazos por ele e redistribuir com as estagiárias, função que era minha.

Sentimento de rebaixamento. Você foi finalmente paga para gerenciar o seu escritório, para fazer o que você fez de graça durante 9 anos. Seu sócio quer transformar você numa secretária pessoal.

Você não sente mais vontade de trabalhar. Sua área, direito digital e proteção de dados, foi reduzida a raros atendimentos digitais, a cada 6 meses. Suas 21 ações que sobraram são causas que boa parte não terão retorno, porque você foi aos poucos parando de fazer as ações que davam dinheiro, para se dedicar a sua área.

Mas é uma área ingrata. Você precisa estar fazendo publicação e lives todos os dias. Desde o parto, você esgotou. A internet perdeu a graça, perto da loucura que é cuidar de um filho. Simplesmente, não sobra tempo.

"Tempo a gente organiza". Sim, organizei nos últimos 2 anos, trabalhando madrugadas inteiras para dar conta de pouquíssimos prazos. 

Você se vê atolado, com críticas do marido, do sócio, dos pais, dos clientes, até da professora do jardim, que se acha no direito de te dizer que você deve parar de amamentar, para facilitar a adaptação do menino na escolinha. 

Pelo menos da escolinha abusiva eu me livrei e livrei o pequeno, que passou semanas com pesadelos pelo trauma da adaptação.

Eu já tive vontade de gritar, já tive vontade de chorar, mas tudo virou cinza. Perdeu a cor, o sabor.

Só tem cor quando o pequeno me resgata para brincar de caminhão atolado em estradas imaginárias com ele.

Falei que não ia entrar em contato com a minha psicóloga até colocar minha cabeça e corpo no lugar, depois de perder a hora pela segunda vez e ter que pagar a consulta. Mas também me cansei da indiferença profissional do skype. 

Às vezes, tenho vontade de chorar num canto por horas a fio, ou de me aninhar num abraço quente e esperar tudo passar. 

Eu cansei de tentar agradar, mas a situação em que eu me coloquei está difícil de sair desse ciclo de agrados. 

Eu sei porque reativei esse blog. Eu volto para ele sempre quando preciso de um abraço apertado para chorar.