terça-feira, 17 de novembro de 2009

Meio-dia. Aquele sol escaldante, que castigava os transeuntes lá fora, iluminava todo o apartamento. Todas as portas e janelas estavam abertas, deixando circular na casa um fresco ar que dispensou os ventiladores.
Vencida a batalha entre mim e a louça, olhei para o piano e não pensei duas vezes. Tinha ainda uma hora de descanso antes de ir para o trabalho. Era pouco, mas me bastava.
Passada quase toda a hora, aproveitei para tocar uma última música. Já havia tocado minhas prediletas, então parti para algo mais complexo. Optei pelas invenções de Bach. Tudo ia bem.
Quando cheguei na décima invenção, percebi que não estava só. Um canário pousou no fio de telefone do poste, em frente à minha janela. Convencido, pensei, quer agora disputar com o timbre do piano. Pois bem, guerra é guerra.
A cada nota da partitura eu dedicava mais força às teclas. O pequeno não deixava por menos. Esgaçava-se a cantar, sempre respeitando o tempo e o compasso. Passadas as invenções, dei uma breve pausa. Já havia se passado dez minutos do horário do expediente. Depois de ganhar a partida eu iria. Era uma questão de honra vencer aquele exibidinho.
Toquei No Holy For Miss Queen, da Enya, para ver como o espertinho se virava com notas graves. Ele, então, elevou o tom e se virou para mim, todo orgulhoso. Malandro, pensei, em vez de procurar uma parceira, fica nessa boemia de passar o dia cantando. E desviei um pouco do meu objetivo para imaginar o quanto ele era feliz fazendo tudo aquilo por livre e espontânea vontade.
Sim, aquela disputa não foi debalde. A ambição de ambos nos preencheu de satisfação com aquele momento. Como que para propor um empate, toquei o Sururu na Cidade, de Zequinha de Abreu, uma ágil e relativamente adequada às cordas vocais do amarelinho. Como que aceitando a proposta, ela continuou a cantar, mas se remexendo para lá e para cá, com todo o gosto. Ah, se todos olhassem desafios como ele olhou. Sem dúvida, as coisas seriam mais fáceis de lidar, independentemente do que fosse.
_Por hoje chega, meu querido. Estamos oficialmente empatados.
No instante seguinte, enquanto eu fechava o piano, o pequeno voou e continuou sua vida. E eu, não fiz por menos.

2 comentários:

  1. Eu acho que ele estava tirando onda com vc ^^ ..
    imagino que vc se empenhou em chegar no minimo ao empate com essa perfeicao da natureza hehe ..

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  2. Esse texto me lembrou uma música do Ben Harper chamada "Having Wings".
    O refrão diz assim "For all these things, true hapiness is Having Wings".
    Nesse caso seria "True Hapiness is Having Wings and have a natural perfect breath", o que tiraria um pouco da graça da música =]

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