sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Vida de frila

Abriu os olhos. Oito e cinco. Corra, está atrasada! Cinco minutos. Roupa. Café. Escova e pasta de dentes. Corra, está atrasada!
Reunião às oito e quinze. Almoço com namorado. Precisa buscar o vestido na lavanderia antes de voltar para o trabalho. Não esqueça de ligar para mãe. Ela sempre se queixa que você nunca liga. O que preciso falar na reunião mesmo? Concentre-se. Não deixe que os outros compromissos te atrapalhem agora. Isso equivaleria à perca da vaga para titular, assim como o aumento e talvez até o trabalhe menos. Não esqueça de marcar o retorno do médico. “É pequeno, mas pode se agravar”, ele disse. Há quanto tempo não visita seus pais? Precisa pagar o aluguel hoje. Será que já debitou aquela prestação? Precisa conferir assim que tiver tempo. Fim da reunião. Será que gostaram? O editor pareceu interessado e disse que me dará um retorno em breve. Quando será esse breve?
Dez horas. Vou ver o estrato da minha conta e entrevistar aquela diretora do novo ballet francês que está se apresentando com artistas brasileiros essa semana. Acho que dá tempo para passar no centro e comprar um presente para ele. É seu aniversário hoje e quero que seja especial. Tudo certo e debitado como previsto. Hora da entrevista.
Trânsito. Ótimo, tudo o que preciso agora. Preciso arranjar um mototáxi e parar de gastar gasolina e tempo.
Dez minutos de atraso. Chego e os artistas estão ainda se alongando. Desculpas. Cara feia. Nada que alguns sorrisos não resolvam.
Entrevista pronta. Ligo para a editora. Estará no e-mail dela no fim desta noite, assim como meu pagamento, depositado até as quinze do dia seguinte.
São quinze para o meio-dia. O que posso dar para ele? Melhor ligar para a cunhada... o último livro da Clarice Lispector? Por quê não pensei nisso!
Livraria. Sim, é para presente. Crédito, em duas vezes, por favor. Obrigada.
Correria em todas as ruas. A hora do almoço é o exato reflexo de combatentes de guerra: luta-se para pegar um lugar no banco do ônibus, para chegar primeiro e se sentar e logo almoçar, sem ter que esperar em filas intermináveis. Mas tudo aos poucos se acalma quando um dos dois lados se rende ao outro. A fome e o churrasco suculento.
Ah, a hora de comer! Ou seria a hora de parar e lembrar de respirar sem pensar no próximo compromisso? Não importa. Acho que ele gostou, embora não confie muito naquele “gostei” pensativo. Conversas de praxe. Hora de ir. Beijos. Cinema na sexta? A Ana convidou para irmos comer pizza no sábado. Tenho três matérias para segunda, mas estarei lá. Por que comida se restaurante sempre dá sono?
O ônibus vai atrasar e o namorado trabalha ali perto. O jeito é pegar um táxi. Estende a mão. Nada. Continue tentando. É normal estarem quase todos cheios àquela hora. O que preciso... Ahh!
O impacto de um motoboy que foi desviar de uma fila de carros e perdeu o controle. Atingiu-a em cheio. Tudo escureceu. Ouviu sirenes distantes. Não importa. Onde está sua matéria? Precisa terminar. Precisa se levantar, mas não consegue. Não sente nada, mas tudo escureceu e sente que precisa ali ficar, porque a única coisa que ela precisa agora é conseguir respirar...

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